Aponta pra fé e rema!

sexta-feira, 7 de junho de 2013

*-*

"A gente mudou tanto, garota.


A gente era jovem e tinha o mundo em nossas mãos. E brincava com ele como se fosse uma dessas bolas de ar que a gente enche e deixa esvaziar pra ficar rindo do movimento da bexiga flutuando. Como era bom ter as coisas em seu lugar. E a gente teve que escolher entre continuar dormindo junto ou ir viver a vida que a gente sempre quis. A gente concordou no início que, quando as coisas mudassem demais, cada um iria pro seu lado. Eu pararia num café e acenderia o meu cigarro. Você, provavelmente, iria pra alguma boutique francesa provar desses sobretudos que te deixam linda em dias de chuva. Tudo é mais bonito na chuva, lembra?

E, de repente, a gente acordou de um sonho lindo numa Paris que nunca foi nossa de verdade. Ah, morena, as ruelas vazias e o efeito dos vinhos que a gente bebeu em tantas daquelas noites iluminadas. Aliás, eu sempre menti quando eu dizia que conhecia os vinhos, mas ver a tua cara de admiração valia a pena e eu pedia secretamente qualquer vinho que te fizesse me olhar daquele jeito. E o beijo na Torrei Eiffel. E o sexo com a janela aberta e a lua cheia quase nos engolindo. E o romantismo exagerado que me abateu todas as vezes em que eu olhei pra você enquanto ria, ou soltava o cabelo, ou me chamava pra tomar um banho quente na banheira do seu apartamento. Ah, e as desculpas pros seus pais quando nos viam chegar com o sol raiando, molhados da garoa parisiense e mortos de fome. Bem, pelo menos eles nos convidavam a sentar no jardim e nos pediam pra tomar café com eles. Acho que eles sabiam que você era feliz comigo e vice-versa. Foram nossos dias de glória ouvindo aquela música suave que você tocava no piano.

Eu podia deixar essa cidade agora. Nesse exato momento em que as coisas se mostraram tão diferentes de como era nos nossos 18 ou 19 anos. A gente não tinha que se preocupar com as contas, nem com as roupas de frio pro Inverno. Mas, olha, eu gosto tanto dessa umidade das estações em Paris. Outono e Inverno são as minhas estações favoritas. Primavera e verão eram as suas. E eu gostava mesmo era de qualquer estação em que você estivesse comigo. Mas você, curiosamente, conseguia estar linda em qualquer estação do ano. Até mesmo naquela estação de trem onde a gente disse o primeiro adeus e o primeiro “achei que você fosse nunca fosse voltar”. E quanto tempo se passou desde que a gente deixou de ser tão jovem? Tempo suficiente pra gente se descobrir mais perdido do que nunca. A gente viajou o mundo junto, bateu tantas portas e disse tanta coisa na cara um do outro. A gente dormiu com outras pessoas e voltou pra cama de manhã cedo. E foram tantas desculpas e pedidos de perdão que o sexo de reconciliação se tornou rotineiro.

Daí a gente despertou hoje e se viu aqui, nessa mesma cidade depois de anos rodando o mundo. A gente mudou e mudou muito. Mas nós mudamos de um jeito que ainda parece que eu te encontro de um jeito diferente há mais 20 anos. E toda vez que olho pro teu rosto. Eu vejo uma mulher linda, charmosa, delicada, com quem eu tive os maiores presentes da minha vida. Eles têm os teus olhos, os teus sonhos, o teu modo divertido que reflete as luzes da cidade. A gente mudou, mas isso tudo não mudou a gente. Só me fez perceber que você é muito melhor que qualquer uma das coisas que eu vi fora da Cidade Luz. E hoje eu posso te dizer que a minha cidade natal é onde você estiver, meu bem."

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