Aponta pra fé e rema!

segunda-feira, 21 de junho de 2010


Tudo acontece como de costume, só que hoje o rádio que eu trouxe transpira perto de mim enquanto a lua aparece, vai caindo e some quando a manhã finalmente se aproxima. Por um instante eu me pergunto por que simplesmente não programei o despertador pra vir de madrugada, mas sei que tenho que fazer o negócio certo. Tive que sofrer à noite pra fazer tudo direitinho. Minhas pernas se esticam, mas a noite se estica mais ainda. A primeira luz me assusta. Estou quase indo dormir no parquinho quando escuto a porta bater e o carro do Simon dar partida. Ele sai da vila sem muito barulho, dirigindo meio tonto. Um minuto se passa, mas eu percebo que chegou a hora. Parece perfeito mesmo. O rádio. A luz. E, agora, meus passos em direção à porta da Audrey. Bato. Ninguém atende. De novo, aperto o punho, mas, quando estou prestes a bater na porta mais uma vez, um estalo vem do corredor, e a voz cansada da Audrey sai através das frestas.
— Esqueceu alguma... — a voz dela se projeta.
— Sou eu — digo.
— Ed?
— É. — O que você tá...
Minha camisa parece até concreto. Estou usando jeans de madeira, meias de lixa e sapatos de bigorna.
— Tô aqui por você — digo bem baixinho.
Audrey, a menina, a mulher, está usando uma camisola cor-de-rosa. Ela abre a porta e pára ali, descalça, espantando o sono dos olhos com os punhos. Ela me lembra aquela menininha, Angelina. Pego em sua mão bem devagar e a trago pra fora. O peso já saiu de mim e agora somos só nós dois. Coloco o toca-fitas no jardim cheio de cascas, me abaixo e aperto o play. A princípio, um ruído de estática paira no ar. Então começa a música e ouvimos o desespero lento, quieto e doce de uma canção que não vou dizer qual é. Imagine a canção mais bonita, mais suave e mais forte que você conhece, e vai ter uma idéia. Respiramos o som, e nossos olhos se encontram. Chego mais perto e pego suas mãos.
— Ed, o que...
— Shh.
Eu a envolvo agora, passando os braços pelos seus quadris e ela me abraça também. Coloca a mão em volta do meu pescoço e descansa a cabeça no meu ombro. Sinto o cheiro de sexo nela, e minha única esperança é de que ela sinta o cheiro do amor em mim.
A música abaixa. A voz aumenta. Mais uma vez, é a música de copas, a música dos corações — só que bem melhor desta vez — e a gente dança; a respiração da Audrey se acomoda no meu pescoço.
— Mmmm... — ela geme de leve, e dançamos no caminho. Agarradinhos. Chega uma hora em que eu solto e a giro devagar. Quando ela retorna, dá um beijinho no meu pescoço. Dá vontade de dizer: "Eu te amo", mas não é preciso. O céu flui com fogo, e eu danço com a Audrey. Mesmo depois que a música acaba, a gente continua um pouquinho mais; acho que a gente dançou por uns três minutos. Três minutos pra dizer que eu a amo. Três minutos pra ela admitir que me ama também. Ela me diz quando nos soltamos um do outro, mas nenhuma palavra de amor sai de sua boca. Ela só meio que pisca o olho pra mim e diz:
— Quem diria, Ed Kennedy, hein?
Dou um sorriso.
Ela aponta pra mim e diz:
— Mas é só você, não é?
— É — concordo. Olho os pés descalços da Audrey, seus tornozelos, suas canelas, e vou subindo até seu rosto. Tiro uma foto mental. Seus olhos cansados, cabelo bagunçado cor de palha. O sorriso arranhando de leve seus lábios. As orelhinhas pequenas e seu narizinho fino. E os últimos vestígios de amor, estranhamente ainda ali... Ela se permite me amar por três minutos. Será que três minutos podem durar pra sempre?, eu me pergunto, mas já sabendo a resposta. Provavelmente não, respondo. Mas talvez durem tempo suficiente.

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